terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Leão e o Rato


Depois que o Leão desistiu de comer o rato porque o rato estava com um espinho no pé (ou por desprezo, mas dá no mesmo) e, posteriormente, o rato, tendo encontrado o Leão envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou mineirice, já que tinha que continuar a viver na mesma floresta); os dois, rato e Leão passaram a andar sempre juntos, para estranheza dos outros habitantes das florestas (e das fábulas). E, como os tempos são tão duros nas florestas quanto nas cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido durante muitos dias.
Com licença da expressão, estavam com uma fome animal. Disse o Leão:
- Nem um boi. Nem ao menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como “hors-d’oeuvres” para a minha fome.
Caiu estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma. E, do chão, onde estava, lançou um olhar ao rato que fez este estremecer até a medula. A amizade resistiria à fome?- pensou ele. E, sem ousar responder à própria pergunta, esgueirou-se pé ante pé e sumiu da frente do amigo (?) faminto. Sumiu durante muito tempo. Quando voltou, o leão passeava em círculos, deitando fogo pelas narinas com ódio da humanidade. Mas o rato vinha com algo capaz de aplacar a fome do ditador das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que ninguém jamais poderá explicar onde conseguiu (fábulas!). O Leão, ao ver o queijo, muito embora não fosse, de usual, um animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou:
- Maravilhoso, amigo, maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! Comamos, comamos!Mas, antes, vamos repartir o queijo com equanimidade. E, como tenho receio de não resistir à minha natural prepotência, e sendo ao mesmo tempo um democrata nato e confirmado, deixo a você a tarefa ingrata de controlar o queijo com seus próprios e famélicos instintos.
Vamos, divida você, meu irmão! A parte do rato para o rato; para o Leão a parte do Leão. A expressão ainda não existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto critério:
- Muito bem, meu amigo. Isso é que se chama partilha. Isso é que se chama justiça.
Quando eu voltar ao poder entregarei sempre a você a partilha dos bens que me couberem no litígio com os súditos. Você é um verdadeiro e egrégio meritíssimo! Não vai se arrepender! E o ratinho, morto de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão pensar que lambia os buracos do queijo. E, enquanto lambia o ar, gritava, no mais forte que podiam os seus fracos pulmões:
- Longa vida ao Rei Leão! Longa vida ao Rei Leão!

MORAL: Os ratos são iguaizinhos aos homens.

(Millor Fernandes)

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